Ashoka reconhece os cientistas Carlos Nobre e Tasso Azevedo como empreendedores sociais
Há décadas, cientistas vêm alertando a sociedade sobre os impactos das atividades humanas nos ecossistemas. Eles demonstram o aumento dos riscos de eventos climáticos extremos; apresentam evidências da perda da biodiversidade; e apontam os consequentes prejuízos para a agricultura, a produção energética, as infraestruturas e, principalmente, para a saúde pública e para a igualdade de oportunidades.
"Ao longo de 40 anos formulando o campo de ação de empreendedores sociais, o que observamos é a presença cada vez mais significativa de cientistas que querem ir além dos alertas. Eles estão catalisando soluções sociais inovadoras para problemas sistêmicos”, diz Anamaria Schindler, presidente emérita e líder global da Ashoka.
A Ashoka tem a honra de reconhecer dois renomados cientistas brasileiros como Empreendedores Sociais. Carlos Nobre e Tasso Azevedo promovem novos paradigmas de convivência com a floresta, que conciliam prosperidade, valorização de conhecimentos tradicionais e conservação da biodiversidade.
Nova abordagem
Como estudante universitário cursando o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), no início da década de 1970, Carlos Nobre teve a oportunidade de visitar a Amazônia pela primeira vez em uma época na qual os focos de desmatamento ainda eram raros. A magnitude da floresta tropical cativou sua curiosidade e o inspirou a redirecionar seus estudos da engenharia eletrônica para a ciência do clima. Após concluir o doutorado em Meteorologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1983, Carlos voltou ao Brasil para ficar perto de sua família. Rapidamente, ingressou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e começou a colaborar com estudos pioneiros sobre a interação floresta-clima, o que elucidou o papel da Floresta Amazônica nas condições atmosféricas da região e do mundo. Esses estudos capturaram a atenção da sociedade e elevaram as mudanças climáticas ao patamar de prioridade política. No início dos anos 1990, Nobre já compunha o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e já alertava sobre os riscos de savanização da floresta Amazônica - e começava a criar a infraestrutura científica, política e cívica necessária para evitar um cenário de alto risco para a região.
Carlos Nobre, novo empreendedor social Ashoka
Nos anos subsequentes, Nobre estabeleceu as bases institucionais públicas para alavancar pesquisas sobre clima, construindo e liderando equipes interdisciplinares para produzir dados que influenciassem as agendas políticas nacionais e internacionais. Dentre as instituições que implementou, criou ou consolidou, destacam-se o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, que são hoje cruciais na previsão e enfrentamento da crise climática. Nobre foi um dos autores do Quarto Relatório do IPCC, tendo recebido, com os demais membros, o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Tornou-se um dos maiores comunicadores das mudanças climáticas, usando sua habilidade de contar histórias, influenciar o debate público e mobilizar diferentes setores da sociedade.
Quando se aposentou pelo INPE, em 2016, Carlos se colocou um novo desafio a partir de 2017: alavancar um novo modelo produtivo para a Amazônia no qual o principal componente de agregação de valor é o conhecimento.
“É uma nova abordagem para as florestas tropicais do mundo, que conjuga desmatamento zero, restauração florestal e uma nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo”, diz Nobre.
“Isso para garantir que a região se projete como um centro de inovação, que estimula a co-criação de uma diversidade de produtos e serviços com alto valor agregado, envolvendo comunidades locais, centros de pesquisa, universidades e empresas, comprometidos com a floresta em pé.”
Arquiteto ambiental
A ideia de que as florestas poderiam ser simultaneamente conservadas e produtivas foi uma revelação para Tasso Azevedo, que nos anos 1980, visitou com seu pai uma fábrica de celulose em construção na região de Foz do Iguaçu. As florestas são responsáveis por quase metade da chuva que cai em território brasileiro. Elas sustentam a agricultura e a principal fonte de energia do país, a hidrelétrica. “Só a Amazônia libera 20 bilhões de toneladas de vapor d'água na atmosfera a cada dia. Mesmo assim, temos uma das maiores taxas de desmatamento do mundo, impulsionadas pela produção de commodities como soja, carne bovina e madeira”, diz Azevedo.
Tasso Azevedo, novo empreendedor social Ashoka
Dois dias depois de se formar em Engenharia Florestal, em 1995, Azevedo participou da fundação do Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola. A missão: disseminar sistemas de certificação de produtos florestais e agrícolas e criar novas bases para uma economia florestal sustentável. Além de mecanismos de certificação aprimorados e adaptados à realidade brasileira, o Imaflora - dirigido por Tasso nos 7 primeiros anos -, contribuiu para uma mudança de mentalidade das partes interessadas no processo produtivo florestal. Isso numa época em que havia raras experiências de colaboração entre o setor privado e a sociedade civil.
No início dos anos 2000, o desmatamento na Amazônia havia atingido níveis alarmantes. Azevedo foi para o Ministério do Meio Ambiente para compor a equipe da recém-nomeada Ministra Marina Silva. No ministério, liderou o desenvolvimento do projeto de lei que regula a gestão de florestas públicas no Brasil e obteve a sua aprovação, o que permitiu instituir um regime de concessão de florestas a entes privados, vinculando as autorizações de extração de recursos florestais ao cumprimento de normas socioambientais. Azevedo também liderou a criação do Serviço Florestal Brasileiro, foi um dos co-coordenadores do Plano Nacional de Combate ao Desmatamento na Amazônia, que resultou em 80% de redução do desmatamento, e foi o arquiteto do Fundo Amazônia, que se tornou o maior fundo de conservação florestal e o primeiro instrumento de pagamento por resultados em escala do mundo.
Com o Serviço Florestal Brasileiro estruturado, dedicou-se à agenda do clima, assessorando o governo federal na definição das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa em 2009, o que fez do Brasil o primeiro país em desenvolvimento a propor metas absolutas de redução.
Em 2011, Azevedo retorna à sociedade civil para liderar, nos últimos 10 anos, duas iniciativas de dados abertos: o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e o Projeto de Mapeamento Anual de Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas). Ao facilitar o fluxo de informações e recursos, Tasso constrói pontes entre a sociedade civil, o governo e o setor privado pela conservação das florestas. Ele é visto por seus colegas como um dos grandes arquitetos ambientais do Brasil, moldando instituições, políticas e sistemas que se reforçam mutuamente e que são concebidos para resistir ao tempo e às instabilidades políticas.
Função social pioneira
Carlos Nobre e Tasso Azevedo desempenham uma função social pioneira. Eles são o que a Ashoka chama de Scipreneurs. “É uma combinação de cientista e empreendedor social, que usa ferramentas científicas para revolucionar um sistema ou setor - na forma de pensar e fazer - para dar respostas à complexidade de problemas que as sociedades enfrentam.” explica Andrea Margit, líder de comunicação e novos paradigmas da Ashoka América Latina.
A maneira pela qual cientistas se convertem em empreendedores sociais não resulta de um ato heróico ou de uma percepção de oportunidade. Na maioria das vezes, a trajetória desses cientistas revela um compromisso com a ciência a serviço da transformação social que é forjado desde muito cedo, em geral, na infância ou juventude. É quando Scipreneurs, como Nobre e Azevedo, desenvolvem habilidades típicas de empreendedores sociais, como empatia, trabalho em equipe, criatividade na solução de problemas e experimentam o poder transformador da sociedade contemporânea.
Para Rafael Murta, diretor de Comunidade e Territórios Transformadores da Ashoka Brasil, um desafio fundamental nos tempos atuais é criar condições para que todos os jovens possam desenvolver suas capacidades transformadoras. Primeiro, dominando as habilidades sociais e emocionais necessárias para se engajarem na solução de problemas sistêmicos. E, na direção inspirada por Nobre e Azevedo, é preciso estruturar iniciativas e cenários para que os jovens desenvolvam fluência científica, ao lado de capacidades e saberes sobre como utilizar a informação. “Um processo que irá gerar novos conhecimentos que nos permitam fazer a urgente transição para uma economia de baixo carbono, socialmente inclusiva”, diz Murta. “É isso o que o século XXI requer de nós e da educação de nossos jovens,” conclui.
A Ashoka dá as boas-vindas a Carlos Nobre e Tasso Azevedo - e às suas inovações sociais - em seu ingresso à rede mundial da organização. E convida todos os jovens, todos aqueles que considerem a ciência como vocação, toda a sociedade, enfim, a conhecer as mudanças de paradigma propostas por eles.
Sobre nós
A Ashoka é uma organização da sociedade civil, pioneira na promoção do empreendedorismo social. Dedica-se a consolidar um movimento mundial de pessoas que transformam o mundo para o bem de todos. Criada em 1980 e presente desde 1986 no Brasil, a Ashoka reúne mais de 3.800 empreendedores sociais no mundo (383 no Brasil), além de 300 Escolas Transformadoras e Jovens Transformadores. Os integrantes da rede de empreendedores sociais da Ashoka são pessoas da sociedade civil que geram inovações sociais para estabelecer modos de vida mais justos, igualitários e sustentáveis. Elas influenciam transformações sistêmicas em políticas públicas, práticas de mercado, padrões de comportamento e mentalidades. Conheça a rede de Empreendedores Sociais Ashoka aqui.