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Ashoka Fellow desde 2024   |   Brazil

Silvana Bahia

PretaLab
Silvana Bahia criou o PretaLab para garantir a presença e o reconhecimento de mulheres negras no campo da tecnologia. O PretaLab amplia habilidades interpessoais e técnicas de profissionais…
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This description of Silvana Bahia's work was prepared when Silvana Bahia was elected to the Ashoka Fellowship in 2024.

Introdução

Silvana Bahia criou o PretaLab para garantir a presença e o reconhecimento de mulheres negras no campo da tecnologia. O PretaLab amplia habilidades interpessoais e técnicas de profissionais comprometidas com a concepção e oferta de tecnologias inclusivas, compatíveis com a diversidade do Brasil.

A nova ideia

A tecnologia pode construir pontes e promover o potencial humano de forma positiva. Entretanto, os vários níveis de exclusão digital agravam ainda mais as desigualdades sociais. As mulheres negras são as mais afetadas pela exclusão digital. Silvana Bahia defende que a presença de mulheres negras no setor da inovação e em atividades de alta complexidade leva à produção de tecnologias conscientes de preconceitos, gerando empregos dignos e bem remunerados para o maior grupo populacional do Brasil. Sua iniciativa, a PretaLab, é uma rede de profissionais negras da área de tecnologia, concebida como uma porta de entrada para que as mulheres negras do Brasil tenham acesso às atividades profissionais no setor de tecnologia. Ela se tornou referência para o avanço na carreira das mulheres negras, não apenas no setor de tecnologia, mas também em outros setores, incluindo no serviço público. As redes que emergiram a partir do PretaLab promovem um amplo impacto social que vai desde a reforma do espaço de trabalho no setor tecnológico até a consultoria para aprimorar a retenção de funcionárias num mercado competitivo e a formação de representantes negras em espaços políticos, cargos públicos e espaços de poder.

​​Durante as reuniões da rede do PretaLab, as participantes conversam sobre suas experiências profissionais e as tendências do mercado. Elas também têm sessões de aconselhamento com psicólogas negras, para analisar problemas que as afetam, como racismo no local de trabalho, síndrome do impostor, dificuldades de se integrar com colegas e burnout. As professoras e mentoras da rede são mulheres que já atuam no mercado de tecnologia e são reconhecidas na área em que trabalham: são funcionárias sênior de empresas como Thoughtworks e Google, ou líderes de outras iniciativas inclusão de mulheres negras na tecnologia, como o Minas Programam. Essas organizações também têm um grande alcance por meio de seus próprios programas e mídias sociais, o que fortalece a consolidação de "rede de redes" que Silvana preconiza, aumentando alcance e impacto da visão do PretaLab. ​​​

Nenhuma dessas iniciativas, no entanto, tem uma rede aberta como o PretaLab, onde qualquer mulher negra envolvida com tecnologia, mesmo que não tenha participado dos seus treinamentos, pode contribuir. A rede é atualmente composta por mais de 1.300 profissionais. As partes envolvidas em seu fortalecimento e crescimento têm um papel estratégico no setor e, portanto, são aliadas importantes da causa de Silvana. Para ampliar o impacto da rede, Silvana também desenvolve no Olabi, organização social na qual é co-diretora executiva e responsável pela Pretalab, no ações com líderes de empresas influentes como Google, JP Morgan e OLX, com foco em mudar a cultura corporativa para que pessoas negras possam encontrar um ambiente favorável à diversidade, permanecer e ter sucesso na área. Além do apoio mútuo e do networking, no PretaLab as mulheres têm acesso a cursos e workshops voltados para o desenvolvimento de habilidades técnicas e interpessoais. As aulas de programação já foram ministradas para centenas de mulheres e disseminadas em parceria com organizações como Redes da Maré e Criola – Pelos Direitos das Mulheres Negras.

Silvana também tem se destacado por seu significativo engajamento público em defesa do papel das mulheres negras no progresso social. Este trabalho abrange o estabelecimento de parcerias estratégicas com diversas organizações da sociedade civil, bem como colaborações com empresas renomadas, como a Disney, para a realização de treinamentos especializados. Além disso, tem estreitado laços com o meio acadêmico, contribuindo para a produção de dados relevantes e influenciando políticas públicas pertinentes ao universo tecnológico. Sua participação em fóruns nacionais e internacionais sobre tecnologia reforça ainda mais seu papel como agente de transformação e voz influente na inclusão digital.

O problema

​​Levantamento do GLOBO com dados do Enade de 2020 (exame feito por formandos de cursos selecionados pelo MEC) constatou que o aumento de graduados negros nos cursos mais competitivos do Brasil (como direito, administração e engenharia) não se traduziu em um aumento correspondente de líderes empresariais negros. No Google, uma das poucas empresas que compilou dados e se dedicou ao tema, as mulheres negras representam apenas 1,8% de seus funcionários nos Estados Unidos, e esse é o segundo grupo com a maior taxa percentual de demissão, atrás apenas das mulheres indígenas, de acordo com o relatório de 2021 da própria empresa. ​​​

A taxa de "atrito" da força profissional, que mede a saída de profissionais da empresa, no caso das mulheres negras, é maior do que a dos colegas negros e dos colegas brancos. O estudo "Vozes Negras na Tecnologia Brasileira", realizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) em parceria com a ThoughtWorks, revela que apenas 2% das mulheres negras ocupam cargos de liderança em empresas de tecnologia - e 70% delas afirmam ter sofrido algum tipo de discriminação racial em suas carreiras. Consequentemente, a ausência de representação feminina negra na pesquisa e desenvolvimento da tecnologia no Brasil tem um impacto significativo na forma como os produtos e serviços são desenvolvidos e nas necessidades que eles visam atender.

A população negra (pretos e pardos segundo o IBGE, 2022) no Brasil é a maior, compondo 55,5% da população. No entanto, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 2020, que mapeou o acesso de cidadãos aos serviços públicos na cidade de São Paulo, mostra que os moradores das áreas de baixa renda, em sua maioria negros, raramente utilizavam os canais digitais e os canais utilizados por eles também são os que mais demoram para resolver suas demandas.

Além dessa exclusão digital, vários estudos apontam que os códigos e programas dos sistemas carregam vieses discriminatórios em relação a raça e gênero. Um exemplo disso são as prisões feitas com base em sistemas de reconhecimento facial no Brasil, em que mais de 90% são pessoas negras. Outro estudo de 2019 revelou que os algoritmos de previsão de risco em ambientes médicos fizeram com que os pacientes negros recebessem atendimento de menor qualidade do que pessoas brancas nos Estados Unidos. A tecnologia não é apenas uma manifestação de habilidades técnicas. Ela reflete as visões, valores e preconceitos dos indivíduos envolvidos em seu desenvolvimento. Engenheiros, cientistas e outros profissionais que criam tecnologias trazem consigo suas próprias experiências, perspectivas e preconceitos, que influenciam diretamente o produto final.

Ao incluir mulheres negras na concepção e no desenvolvimento das tecnologias, o PretaLab gera impacto social significativo, criando oportunidade para mudanças estruturais na tecnologia que atendam melhor às necessidades da sociedade como um todo.

A estratégia

Silvana desencadeia um efeito cascata que promove e fortalece o bem-estar da comunidade negra no ambiente de produção de tecnologia. Sua atuação é multidimensional: de um lado, fortalece as habilidades técnicas e sociais de mulheres negras enquanto cria uma rede de apoio mútuo; do outro, ela prepara as grandes empresas de tecnologia para contratá-las e incluí-las, demonstrando a importância de sua presença. Portanto, a estratégia de Silvana combina cinco vertentes: capacitação para mulheres negras; criação de redes; consultoria e treinamento para empresas; pesquisa e desenvolvimento de conteúdo; e defesa de direitos. Para estreitar a lacuna entre o talento das mulheres negras e a necessidade de atender aos princípios de diversidade, equidade e inclusão (DEI) nas empresas, Silvana adota uma abordagem que atua tanto no lado da oferta quanto no da demanda. Ela desenvolveu um programa de capacitação destinado às mulheres negras interessadas em ingressar na área de tecnologia. Esse programa visa fornecer conhecimento e ferramentas essenciais para que elas entrem e se mantenham no setor tecnológico. Os ciclos de treinamento da PretaLab para mulheres negras e indígenas iniciantes no mundo da tecnologia utilizam uma metodologia que valoriza a autonomia e a independência das estudantes, aliado a conhecimentos técnicos atualizados com as necessidades cotidianas de quem trabalha no setor. As facilitadoras do programa são profissionais negras reconhecidas pelo mercado da tecnologia e que se tornam inspiração para que as participantes visualizem suas próprias jornadas de carreira e planos de vida. Silvana usa seu sólido capital social e ex-alunas para divulgar o programa e trazer mais participantes de comunidades de baixa renda a cada ano.

A partir de 2018, o PretaLab lançou ciclos de treinamento para atender a demanda por formação de forma rápida e acelerar a transformação. Cada ciclo de treinamento dura cerca de dois meses a três meses, com sete horas de aulas por semana. O objetivo é desenvolver conhecimentos técnicos relevantes para o mundo da tecnologia, como linguagem de programação, bem como habilidades que nem sempre são praticadas em cursos tradicionais, que ajudam a ganhar autonomia para aprender novos conteúdos e resolver problemas inesperados. Em geral, as turmas têm um número de participantes limitado para garantir a prática de habilidades sociais e conexões relevantes com a rede de contatos do programa. Cada ciclo de ensino tem cerca de 70 alunas divididas em duas turmas. Cerca de 900 mulheres estudaram com o PretaLab desde sua fundação e hoje também fazem parte da rede do PretaLab. Embora isso não seja particularmente novo, é uma estratégia especialmente relevante no Brasil, considerando a transição de empregos no país e quem está conseguindo acessar essas oportunidades.

Mesmo que o treinamento em habilidades técnicas básica seja essencial para construir uma carreira frutífera, Silvana sabe que isso não é suficiente para se atingir um impacto sistêmico significativo. Para que as mulheres negras estejam na vanguarda da transformação da força de trabalho em tecnologia, a PretaLab oferece a elas valiosas oportunidades de conexões profissionais, o que lhes permite compartilhar suas experiências na resolução de desafios e percepções sobre o mercado da tecnologia. Isso as capacita para adentrar nesse universo com confiança e repertório ampliado.

Silvana criou a primeira plataforma online que proporciona às mulheres negras a oportunidade de falarem e serem ouvidas, e também de se conectarem e aprenderem com outras pessoas que compartilham objetivos profissionais semelhantes. Além disso, a plataforma serve como um canal para essas mulheres reconhecerem e apoiarem umas às outras na indústria. A divulgação da plataforma e dos ciclos de treinamento é realizada por meio de parcerias com diversas instituições comunitárias em todo o Brasil, bem como por meio das redes sociais.

No cerne desse movimento está o argumento de que "não podemos ser o que não podemos ver". A escassez de modelos visíveis de sucesso no setor tecnológico para mulheres negras resulta em uma falta de experiências compartilhadas e, consequentemente, perpetua ambientes de trabalho que não são inclusivos. A ausência de mentoras e colegas de trabalho impacta negativamente as oportunidades e a sensação de pertencimento das mulheres negras na comunidade profissional. Essa exclusão estrutural leva a problemas como racismo, síndrome do impostor e dificuldades de engajamento com os outros, causando esgotamento. Para isso, o trabalho de Silvana oferece aconselhamento com psicólogas negras que analisam problemas que afetam as participantes da rede no local de trabalho.

Embora seja um desafio capturar plenamente o impacto da arquitetura de "rede de redes" da PretaLab, Silvana rastreia casos de transformações positivas no ambiente de trabalho das participantes. As mulheres que fazem parte do PretaLab são líderes reconhecidas na área, trabalhando em empresas como ThoughtWorks, Google, entre outras do setor. Elas também impulsionam outras redes que atuam na inclusão e permanência de mulheres negras na tecnologia, como os bem-sucedidos e já mencionados projetos Minas Programam e Reprograma, que juntos atingem mais de 50 mil pessoas integrando mais mulheres na tecnologia. Dessa forma, as mulheres vão ocupando espaços e ganhando voz em eventos, cursos e palestras sobre tecnologia, onde fortalecem seus vínculos. Silvana usa um efeito de rede para potencializar o alcance da PretaLab, aninhando líderes e propagando colaborações além de sua própria rede, levando a uma mudança de mentalidade sobre as competências e liderança das mulheres negras no campo da tecnologia.

Para uma mudança ainda mais ampla, Silvana também percebeu que era necessário integrar as empresas e transformá-las em aliadas importantes na luta contra o racismo e a cultura machista no setor de tecnologia, pois são elas que contratam a força de trabalho que projeta novas ferramentas tecnológicas que afetam diretamente o trabalho e o estilo de vida da população global. Por isso, como consequência desse trabalho, Silvana criou com Gabriela Agustini – com quem divide a direção executiva do Olabi - programas de capacitação para empresas. ​Assim, são realizadas parcerias com empresas de tecnologia para projetos que vão desde a criação de processos seletivos afirmativos até estratégias de retenção e desenvolvimento de lideranças essenciais para garantir a diversidade, equidade e inclusão. ​​​

Em 2018 em parceria com a ThoughtWorks realizaram o Enegrecer Recrutamento Expresso, em Salvador - a primeira vez que a empresa fez um processo seletivo exclusivo para pessoas negras. Posteriormente a empresa criou ​​​​o primeiro programa de aprendizado imersivo para novos funcionários negros com aulas em português, Thoughtworks University Brasil. Cinco por cento da população brasileira fala inglês e, desse grupo, apenas 1% fala fluentemente, o que tornava o processo altamente excludente. A empresa passou de 15% para 38% de profissionais negros, sendo 25% em cargos de liderança. O sucesso dessa parceria despertou o interesse de outras empresas da área de tecnologia. Da mesma forma, uma parceria com o Google levou a uma mudança no idioma do processo de seleção de estagiários para área de tecnologia, do inglês para o português. Quando contratados, os desenvolvedores receberam apoio para desenvolver suas habilidades em inglês. O trabalho com o Google no Brasil ajudou a empresa a priorizar a renovação e a mudança de sua cultura considerando os princípios de DEI, já que a promoção de locais de trabalho diversos e inclusivos não é uma tendência corporativa temporária. Na última edição do treinamento do Olabi com Google, seus principais engenheiros na América Latina participaram do treinamento em Liderança Inclusiva, bem como gestores que trabalham diretamente com os novos contratados na região.

Silvana observa que as lideranças de empresas de tecnologia ficam surpresas e ansiosas por mudanças quando aprendem mais sobre inclusão e diversidade com a PretaLab. Mudam a maneira de ver o mundo, compreendem a sua responsabilidade de tornar a empresa mais inclusiva e aprendem a ser empáticos e estratégicos para o sucesso da empresa. Políticas de diversidade, equidade e inclusão têm se tornado cada vez mais importantes para as pessoas que estão entrando no mercado de trabalho e, portanto, afeta a atração e retenção de talentos num mercado competitivo. Além disso, uma equipe mais diversa contribui mais com a inovação no setor da tecnologia onde as mudanças são extremamente aceleradas, inovar é questão de sobrevivência. Por isso, além dessas ações, Silvana criou junto com Gabriela dois ebooks sobre políticas de DEI para empresas.

Silvana também fez uma parceria com a OLX, uma empresa para vendas e compras de produtos online, para apoiar o desenho do seu programa de estágio exclusivo para mulheres (cis e trans) e orientar seus estagiários sobre temas de diversidade e inclusão no Brasil. O objetivo é trazer a diversidade para o centro da produção tecnológica, mudando a cultura da empresa.

​​Além disso, Silvana está trabalhando diretamente com a alta liderança das áreas de engenharia das empresas parceiras. Os esforços nesse sentido são direcionados aos tomadores de decisão nas empresas, mas também na criação de ambientes corporativos que facilitem a retenção de talentos diversos, em especial de profissionais negras. Silvana desempenha um papel crucial ao apoiar a construção de uma base sólida para a contratação e retenção de talentos diversos em empresas de tecnologia, com a expectativa de que esses talentos se tornem futuros líderes do setor e garantam que práticas de diversidade, equidade e inclusão sejam a norma. Seu trabalho tem impulsionado uma tendência de contratação inclusiva e gerado discussões sobre o verdadeiro significado da diversidade no contexto da tecnologia.​​​

Um exemplo tangível desse impacto pode ser observado no site do PretaLab, que conta com uma seção dedicada às empresas interessadas em anunciar vagas de emprego especialmente direcionadas a mulheres negras. Dessa forma, Silvana não apenas está promovendo a necessidade de uma força de trabalho mais diversificada, mas também está apresentando profissionais qualificados de sua própria rede para preencher essas vagas. Esse ciclo virtuoso contribui para o fortalecimento da representatividade e da equidade no ambiente de trabalho da tecnologia.

​​Desde sua fundação, o PretaLab sempre teve como objetivo influenciar políticas públicas por meio da produção de dados sobre a experiência de mulheres negras na tecnologia. A primeira de suas iniciativas foi produzir dados, até então inexistentes, sobre a inclusão e a permanência de mulheres negras na tecnologia no Brasil. A partir desses dados, desde 2017, a PretaLab tem realizado estudos que revelam as desigualdades de gênero e raça e subsidiam uma série de discussões e respostas sobre inclusão e diversidade. ​​​

Os dados têm sido utilizados por organizações da sociedade civil, empresas e governo para defender a criação de mais programas de tecnologia e indicadores de inclusão para mulheres negras. Como o maior grupo demográfico do país, a ausência de mulheres negras no setor de tecnologia pode ser prejudicial para a economia e o crescimento do país nos próximos anos. No espírito do lema "não podemos ser o que não podemos ver", a PretaLab também produz e divulga podcasts, documentários e imagens mostrando que a tecnologia pode ser um espaço próspero com e para as mulheres negras.

A PretaLab também tem realizado um importante trabalho de defesa de direitos. Uma marca desse trabalho é o aninhamento da iniciativa "Mulheres Negras Decidem", ​​por meio da qual coletam dados e apoiam mulheres negras de todo o país a se candidatarem a cargos políticos. Depois de eleitas, essas mulheres recebem apoio contínuo dos membros do projeto em questões jurídicas e de relações públicas, e defendem as bandeiras do movimento: antirracismo, igualdade de gênero e desenvolvimento social e econômico, criando e promovendo políticas públicas com base nesses ideais. O Movimento Mulheres Negras Decidem tem a missão de apoiar mulheres negras no campo da política e analisar e propor estratégias que transformem a sub-representação de mulheres negras na política brasileira.

A principal mudança sistêmica que Silvana quer realizar é a participação das mulheres negras nos principais espaços de tomada de decisão. O PretaLab está promovendo um aumento da presença negra feminina na política ao influenciar o debate público sobre a questão. Silvana contribui para a discussão sobre o aprimoramento da formulação de políticas sociais a partir de uma perspectiva interseccional, trazendo a voz de um grupo que enfrenta uma dupla exclusão, por ser mulher e negra, tanto na política quanto no setor de tecnologia. Além de uma campanha nacional para aumentar os votos em candidatas negras, o projeto financiou a campanha de 27 candidatas negras a deputadas, uma em cada estado do Brasil.

​​Silvana tem a capacidade de informar as grandes empresas sobre seu papel na inclusão e formação de novos profissionais e de fortalecer a sociedade civil produzindo ou influenciando a produção dados que podem ser usados para políticas que beneficiem a todos. Seu trabalho realizado em parceria com a mídia, por exemplo, com a Globosat, o Canal Futura e com universidades, como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo e a Aliança Midiativista Antirracista (ARMA Alliance), na Finlândia, exemplifica sua capacidade de conectar diferentes partes interessadas em todos os setores. ​​​

Para os próximos cinco a dez anos, Silvana prevê o crescimento do PretaLab, oferecendo mais ciclos de treinamento, abrindo portas para mulheres negras trabalharem no setor de tecnologia e expandindo o trabalho em rede, e também dos demais projetos do Olabi. Seu trabalho é relevante não apenas para o contexto brasileiro, mas para a região. Ela está conectada a outros grupos na América Latina, como a organização Manos Visibles na Colômbia, o coletivo Mizangas - Movimiento de Mujeres AFRO no Uruguai. Ela sabe que o modelo de trabalho do PretaLab é único e vê esses espaços como um convite para escalar e replicar seus métodos. As conexões de Silvana com grandes empresas de tecnologia na região lhe dão a chance de debater diversidade, equidade e inclusão em uma escala maior, o que ela valoriza e vê nelas a oportunidade de impactar outros países no futuro. Institucionalmente, Silvana prevê que a comunidade da PretaLab e o modelo de monitoramento e avaliação se desenvolvam para servir de referência para o campo. Silvana já é uma liderança reconhecida na América Latina e está abrindo caminho para que as mulheres negras sejam protagonistas nas profissões do futuro.

A pessoa

Silvana nasceu e cresceu na cidade do Rio de Janeiro, cercada por uma família feliz. Seus pais valorizavam muito a educação e, durante sua infância, Silvana pôde se dedicar totalmente aos estudos sem ter que dividir seu tempo com o trabalho. Ela viveu toda a sua vida em um apartamento de um quarto com seu irmão e seus pais. O apartamento ficava no centro do Rio de Janeiro, o que permitiu que Silvana interagisse com pessoas de vários grupos sociais e vivenciasse as desigualdades sociais existentes. Isso se agravou quando a situação econômica de sua família piorou após a morte prematura de seu pai, quando ela tinha 13 anos de idade, e ela começou a trabalhar ainda adolescente para apoiar sua mãe e seu irmão mais novo.

Silvana sempre teve um papel de liderança em sua comunidade, mas se sentia deslocada e menosprezada fora de seu ambiente familiar. Silvana é a primeira de sua família a entrar na universidade. Ela decidiu estudar Comunicação devido ao seu interesse pelas pessoas. Sem nenhum incentivo para que os negros entrassem e permanecessem na universidade naquela época, Silvana continuou a trabalhar para se manter em uma universidade particular, onde era uma das poucas estudantes negras.

A dificuldade de encontrar estágios na área de comunicação foi um dos desafios que ela enfrentou, tendo ouvido de um membro da universidade que um dos motivos para ela não conseguir um emprego era seu cabelo crespo. Silvana trabalhou como digitadora em uma empresa de entregas de fretes internacionais e domésticos, onde se tornou grande amiga de uma colega mais velha, também negra. Ficou indignada com o fato de uma mulher tão inteligente estar presa a tarefas repetitivas com seu potencial reprimido. Inspirada pelas palavras de sua colega, ela decidiu ser ainda mais corajosa e continuou procurando estágios em sua área de estudo.

Quando se candidatou a uma vaga de estágio na Agência Redes de Juventude para a Juventude e não obteve resposta, entrou em contato com o RH, insistiu em falar com a coordenadora e se apresentou. Sua iniciativa e coragem lhe renderam a contração para trabalhar na área de jornalismo social como estagiária de Cultura Digital. Enquanto trabalhava lá, Silvana se integrou ao Observatório de Favelas, onde considera ter se tornado uma cidadã mais consciente politicamente.

O Observatório de Favelas foi co-fundado em 2006 por Jailson de Souza, Empreendedor Social Ashoka, com a ideia de que uma abordagem para lidar com os problemas nas vastas favelas do Rio de Janeiro é ter uma compreensão precisa do contexto, informada pela experiência e pelo conhecimento de seus habitantes. Naquela época, Silvana percebeu que sua falta de confiança, depressão e esgotamento advinham do enfrentamento das desigualdades sociais e raciais. Foi também no Observatório, por volta de 2012, que ela percebeu como o uso da tecnologia muda a forma como nos comunicamos e como narrativas são construídas. A tecnologia não saiu do radar de Silvana desde então e, devido a essa experiência, ela começou a questionar as desigualdades no uso e na produção de tecnologia.

Mesmo sem formação específica no campo tecnológico, Silvana teve a coragem de explorar esse novo espaço. Depois de escrever artigos para a BBC e conversar com vários líderes de base, ela foi convidada a trabalhar com Gabriela Agustini no Olabi, que também é Empreendedora Social Ashoka. O Olabi funcionou como um laboratório para Silvana pesquisar questões de tecnologia e direitos humanos de forma mais estruturada.

Diante da inexistência de referências de mulheres negras na tecnologia e da falta de dados sobre essa realidade, ela criou o PretaLab para mudar a forma como a tecnologia é pensada e produzida, colocando as mulheres negras no centro. É uma estratégia que ela colocou em prática para superar os desafios que enfrentou pessoalmente em sua jornada de trabalho como mulher negra. Desde então, Silvana se tornou uma referência no assunto no Brasil e na América Latina. Ela é convidada por veículos de comunicação, universidades e centros de pesquisa para falar sobre sua experiência na área e as oportunidades de mudança que se apresentam. Silvana hoje sonha em ver uma profusão de mulheres negras na tecnologia para que possam construir um legado coletivo de uma sociedade mais justa para todos.