Introdução
Carolina está ressignificando o "quarto poder" por meio do Instituto AzMina, que usa tecnologia, dados abertos e jornalismo para combater a desigualdade de gênero no Brasil. Por meio de uma poderosa estratégia de comunicação, ela combina a produção de conteúdo de qualidade para mulheres com o seu engajamento na rede d’AzMina, através da conscientização e elaboração de estratégias para promover a equidade de gênero.
A nova ideia
Carolina está ressignificando o jornalismo feminista para a era digital. O jornalismo analógico envolvia pesquisa, investigação e publicação impressa. Na atual era digital, AzMina reformula "o quarto poder" combinando recursos para as mulheres por meio de aplicativos em seus celulares, formação de uma rede de apoio para empoderamento pessoal, e articulação pela reforma de práticas e leis discriminatórias no setor público, como na polícia e hospitais. AzMina está criando uma nova e revolucionária consciência na sociedade, fornecendo às mulheres as informações e as ferramentas digitais de que elas precisam para enfrentar a desigualdade de gênero.
No Brasil, mais da metade da população é composta por pessoas negras (56,1%) e mulheres (51,1%), de acordo com pesquisa realizada em novembro de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de serem maioria no Brasil, as mulheres e os negros são os que mais sofrem com a falta de acesso a serviços públicos básicos, como saúde gratuita e de qualidade, educação e trabalho formal, que poderiam lhes garantir uma vida digna. A lista cada vez maior de apoiadores d’AzMina contorna essas discriminações históricas aproveitando-se de forma criativa do fato de que as mulheres podem ser contatadas e conectadas por meio de seus telefones e redes sociais.
AzMina, por exemplo, mapeou e classificou todas as delegacias de polícia do país que são designadas como "dotadas de recursos para lidar com a violência de gênero". Seu aplicativo, PenhaS, possui o duplo benefício de dar às mulheres acesso direto às delegacias que realmente oferecem serviços especializados e criar fortes incentivos para que as delegacias com baixo desempenho melhorem. As classificações no PenhaS são continuamente atualizadas por usuárias, pois elas validam as classificações das delegacias facilmente, tal qual em uma mídia social. O PenhaS pode ser facilmente ocultado em seus telefones para evitar que os abusadores o descubram. Ele pode ser programado para ligar para um contato de emergência quando houver risco de abuso. O aplicativo também permite que as mulheres apoiem umas às outras e se organizem criando conjuntamente, por exemplo, campanhas contra leis e projetos discriminatórios. AzMina leva tudo o que aprende com as usuárias do aplicativo a um público mais amplo por meio de seu próprio jornalismo e através da defesa de um jornalismo sensível às questões de gênero nas redações tradicionais (e ainda muito machistas). Por fim, AzMina promove a democratização da política institucional monitorando o Congresso, expondo a discriminação contra as mulheres e promovendo uma nova legislação progressista.
Carolina almeja um mundo em que o gênero não influencie o acesso das pessoas a direitos e oportunidades e que trate as mulheres igualmente em todas as suas ricas diferenças e diversidades. Em especial, ela trabalha para que a violência contra a mulher, em suas múltiplas formas, deixe de ser considerada "normal" e passe a ser vista como uma ameaça à sociedade.
O problema
As mulheres brasileiras estão sub-representadas na política, são mal remuneradas, sofrem assédio sexual e são mais vulneráveis ao desemprego. Embora o Brasil tenha passado da 93ª posição para 57ª no Índice Global de Diferença de Gênero do Fórum Econômico Mundial nos últimos dois anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o Brasil ainda é o quinto país do mundo em número de feminicídios. A violência doméstica e familiar contra a mulher é recorrente e está presente em todo o mundo, motivando crimes hediondos e graves violações de direitos humanos. É um fenômeno de extrema gravidade, que impede o pleno desenvolvimento social e coloca em risco mais da metade da população do país - as 103,8 milhões de mulheres brasileiras. De acordo com o Mapa da Violência 2012: Homicídios de Mulheres no Brasil, duas em cada três pessoas atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) por violência doméstica ou sexual são mulheres; e em 51,6% dos atendimentos, a vítima já havia registrado ocorrência anteriormente.
A violência de gênero na política também se tornou um tema importante na sociedade brasileira desde o impeachment da Presidente Dilma Rouseff em 2016 e o assassinato da Vereadora Marielle Franco em 2018. Esse tipo de violência é um dos principais motivos apontados por estudiosos para a reduzida presença de mulheres na política. A situação é ainda mais grave quando se trata de mulheres negras e indígenas. São inúmeras as parlamentares negras e indígenas que necessitam de proteção especial para si e para suas famílias para que possam exercer seus mandatos, dado o volume de ameaças que recebem exclusivamente em razão da intersecção de identidades que personificam e a política que promovem. O Ministério Público Federal (MPF) contabilizou, até novembro de 2022, 112 procedimentos relacionados ao tema. Em 15 meses, de agosto de 2021 a novembro de 2023, houve sete casos a cada 30 dias envolvendo comportamentos para humilhar, constranger, ameaçar ou prejudicar uma candidata ou presidente em razão de seu gênero.
A desigualdade de acesso à saúde é transversal a todos os problemas já mencionados. A diminuição do acesso aos serviços públicos de saúde, a menor inserção no mercado de trabalho e a participação social, agravadas pela pandemia, contribuem para os baixos indicadores de saúde das mulheres brasileiras. O governo nacional cumpriu menos de 30% das metas de investimento na área, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS): apenas R$5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram aplicados em serviços de saúde para as mulheres. Dentro desse tema, o acesso a informações sobre direitos sexuais e reprodutivos tem sido particularmente negligenciado. No Brasil, o aborto é crime, exceto em três condições: estupro, gravidez que coloque em risco a vida da mulher, e fetos com anencefalia (ausência ou má formação do sistema cerebral). Apesar disso, muitas vezes o médico nega o aborto às mulheres, mesmo em casos comprovados de estupro, ou o sistema judiciário demora muito para dar um veredicto, a ponto de a vítima falecer ou o aborto não ser mais possível. Metade das mulheres (52%) que afirmam ter feito um aborto no Brasil o fez antes de completar 19 anos, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto de 2021. Além disso, são as mulheres negras que mais frequentemente realizam um segundo aborto - o chamado aborto de repetição.
A estratégia
Por meio d'AzMina, Carolina usa mídias sociais e aplicativo nos celulares para mudar a dinâmica de poder em relação às mulheres na sociedade. AzMina preenche lacunas no acesso à informação sobre questões de gênero produzindo conteúdo próprio. Este conteúdo é disponibilizado para mulheres que sofrem violência doméstica e outras discriminações baseadas em gênero em seu site e por meio do PenhaS, aplicativo que permite que mulheres acessem serviços, apoiem umas às outras e se mobilizem para defender a igualdade de gênero nos serviços públicos, políticas públicas e leis. Ao fazer isso, a organização também educa as mulheres sobre questões de segurança digital e privacidade de dados.
O cerne de sua abordagem é ouvir ativamente a comunidade que ela está construindo. Assim como no YouTube, Facebook ou nas avaliações da Amazon, o aplicativo de violência doméstica d’AzMina, o PenhaS, permite que qualquer pessoa publique suas opiniões sobre o que a afeta e compartilhe suas experiências. A escuta e a conexão promovidas pelo jornalismo d'AzMina levaram engenhosamente a uma mudança na forma de se fazer jornalismo convencional e o pensar políticas públicas, criando uma comunidade de apoiadores e influência operando em três níveis que podem ser considerados como o megafone de Carolina.
No bocal do cone estão o foco do trabalho em empoderamento feminino - mulheres que sofrem com violência de gênero e pela dominação dos homens na política brasileira. Essa é a zona de serviços diretos, apoio mútuo e mobilização política. Esse é o lugar das usuárias do PenhaS. O aplicativo apoia as mulheres em situações de violência doméstica, com informações para ajudar a identificar a violência e entender seus direitos, bem como orientações sobre o que fazer. O aplicativo também tem uma zona de chamada com outras mulheres e um botão de pânico, que aciona contatos de emergência, um mapa de identificação da delegacia de polícia mais próxima ou de outros serviços públicos de apoio e um gravador para gerar provas contra o agressor. Atualmente, o aplicativo tem mais de 40.000 usuárias operando em todo o território brasileiro, um número significativo, pois o aplicativo atua em um aspecto muito específico do problema sistêmico, a mobilização para denunciar uma agressão. Como o tempo entre a decisão de denunciar e o ato da denúncia em si é encurtado devido ao suporte oferecido pelo aplicativo, reduz-se a possibilidade de desmobilização pessoal ou sugerida, pelo parceiro, pelos pares ou até mesmo por uma equipe policial despreparada.
Carolina ouviu de muitas mulheres como o tratamento da polícia, a primeira resposta à violência doméstica, pode ser terrível. O aplicativo oferece um mapa de todas as delegacias de polícia identificadas pelo governo como delegacias com equipe treinada especificamente para atender casos de violência doméstica contra a mulher. Nessas delegacias, é possível denunciar a violência física, moral, psicológica, sexual e patrimonial, além de pedir proteção contra os agressores, que está legalmente disponível. O Brasil possui 400 delegacias especializadas ou centros de atendimento especializado em delegacias comuns. Com base no trabalho de investigação d’AzMina, a precisão das informações sobre cada delegacia é atualizada frequentemente no mapa, garantindo que as mulheres tenham informações precisas sobre as delegacias disponíveis e seus endereços. Os usuários também podem classificar a delegacia de acordo com o grau de resposta ao incidente de violência doméstica, criando fortes incentivos para que as delegacias com baixo desempenho melhorem.
O PenhaS está conectado ao principal produto do Instituto AzMina, a revista on-line. As pessoas se inscrevem para se tornarem apoiadoras (gratuitamente) e têm acesso a conteúdo especializado, como um boletim informativo, com uma linguagem voltada para mulheres de todo o Brasil. Essa rede de apoio se torna um espaço seguro para essas mulheres, que apoiam outras por meio, por exemplo, de respostas anônimas a perguntas no aplicativo PenhaS.
No meio do cone estão as mídias sociais. Esse é o campo de recrutamento de Carolina. É aqui que a AzMina, seus parceiros e seus principais constituintes se agitam, peneiram e refinam suas mensagens e expressam seu poder e sua voz. É aqui que eles constroem seu núcleo revolucionário. Nesse nível, por meio de publicações nas mídias sociais, artigos e canal do YouTube, Carolina levanta tópicos que são sensíveis demais para serem abordados na mídia convencional. Aqui, temas como direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o direito ao prazer sexual e ao aborto, podem ser divulgados, debatidos e discutidos abertamente. Carolina apresenta às mulheres o kit de ferramentas AzMina e recruta membros para se tornarem co-líderes do movimento pela igualdade de gênero. Embora Carolina considere esses canais de comunicação mais específicos dentro de sua estratégia de engajamento, nos quais ela pode compartilhar informações mais direcionadas, atualmente as redes sociais da AzMina têm mais de 200.000 seguidores no Instagram e no Facebook, 37.500 assinaturas no YouTube, 44.600 seguidores no Twitter e 15.000 assinantes de boletins informativos. Em 2022, somente o site teve um total de 3 milhões de acessos.
No topo do cone, bem aberto, está o domínio da mídia convencional, que envolve publicações comerciais, televisão e publicidade em espaços públicos. Um exemplo de seu envolvimento nesse nível é uma campanha chamada Abuse Is Not Love (Abuso não é amor), patrocinada pela empresa de cosméticos L'Oreal em pontos de ônibus e banheiros públicos. AzMina fornece a pesquisa e os materiais, enquanto a L'Oreal fornece o financiamento, o espaço publicitário e a normalização da marca em torno de uma campanha que destaca os sinais de abuso nos relacionamentos das mulheres. Essa icônica marca de moda criou um site oficial para o programa no Brasil, onde oferece treinamento on-line e recursos educacionais para sobreviventes de relacionamentos abusivos e para aqueles que desejam se tornar aliados na luta. Carolina então conecta as pessoas ao trabalho que a AzMina realiza: como parte da ação Abuso Não é Amor, a PenhaS recebe consultas de mulheres, as acolhe e as orienta para que se tornem apoiadoras de outras mulheres em situação de violência. As pessoas podem se cadastrar para serem chamadas caso uma usuária do PenhaS esteja se sentindo ameaçada. Carolina espera recrutar mais de 12.000 novas participantes para o ecossistema da AzMina por meio da campanha.
Em um exemplo anterior do uso estratégico da grande mídia, Carolina negociou um anúncio público gratuito do aplicativo PenhaS no maior canal de TV da América Latina. Visto por mais de 30 milhões de pessoas quando foi ao ar na TV aberta, eles conseguiram 3.000 novos usuários em 15 dias. Reconhecendo que a conscientização, mesmo em nível social, precisa de poder político para promover mudanças, e que conhecimento é poder, AzMina também se tornou um dos recursos mais importantes no Brasil para entender o que agora está sendo chamado de "violência política de gênero". Para Carolina, quando as pessoas pedem que as mulheres ocupem espaços de poder na política no Brasil, geralmente minimizam o fato de que a política brasileira é perigosa e violenta para as mulheres. Sua pesquisa mostra que o medo pela segurança (dentro e fora das mídias sociais) e pelos ataques que elas sabem que terão de suportar é o principal motivo pelo qual as mulheres optam por não se candidatar a cargos políticos. Diante de uma das eleições mais decisivas para a democracia brasileira em 2022, o MonitorA - Observatório da Violência Política, projeto criado e coordenado pelaAzMina, mapeou de forma exclusiva a violência política motivada por gênero durante a campanha das eleições gerais de 2022 e encontrou possíveis maneiras de combatê-la. Ela monitorou os perfis dos candidatos no Twitter, YouTube, Instagram e Facebook, avaliando publicações, comentários de usuários e outras interações. AzMina desenvolveu um dicionário com as expressões e palavras frequentemente usadas em atos de violência política de gênero, usado como chave para a coleta, posteriormente tratado e adaptado a ferramentas de visualização pelos jornalistas da AzMina. Esse trabalho tornou-se um recurso importante para os principais jornalistas que cobriram a eleição; o estudo teve cerca de 600 menções na mídia. A pesquisa também foi mencionada em um projeto de lei sobre violência política. No final das eleições de 2022, um relatório completo das descobertas foi preparado pelo MonitorA, bem como um documento com recomendações e encaminhamentos que contribuem para a discussão da violência de gênero em termos de políticas públicas e privadas de redes sociais para o futuro.
Além disso, na esfera da democracia representativa, AzMina criou a plataforma "Mulheres no Congresso". A plataforma, alimentada por dados coletados por uma coalizão de organizações, mede como cada deputado e senador tem atuado em leis importantes para os direitos das mulheres no Brasil. Quanto mais favoráveis às mulheres forem os projetos propostos pelo parlamentar, maior será sua nota e sua posição no ranking. A plataforma se tornou um recurso fundamental para que as mulheres da rede AzMina vejam quem são seus aliados no Congresso Nacional e para que os jornalistas façam reportagens sobre questões de gênero na política. A meta para a plataforma é que ela informe o público sobre debates, políticas públicas em discussão e ajude a combater a violência de gênero.
Carolina vê a AzMina como parte da solução para um mundo sem sexismo. Nos próximos cinco a dez anos, se seu trabalho se desenvolver como ela espera, AzMina alcançará todas as mulheres do Brasil que, coletivamente, garantirão que a mídia adote uma perspectiva feminista.
A pessoa
Carolina nasceu em Guarulhos, uma cidade industrial vizinha de São Paulo. Ela é a mais velha de três irmãos, com quem aprendeu sobre cuidados, violência e desigualdade. Sua preocupação com as desigualdades começa com o nascimento de seu irmão mais novo, que teve toxoplasmose ainda no ventre da mãe e nasceu surdo. Ajudar o irmão surdo a se comunicar e a viver em um mundo que não fala a sua língua foi um desafio fundamental não só para ela, mas para toda a sua família. Assim, desde suas escolhas políticas, passando por sua escolha profissional até a mulher que Carolina é hoje, ela se definiu pela busca de um mundo melhor. Por isso, optou por se formar em jornalismo pela USP e se tornar repórter em São Paulo, Brasília e Índia.
Motivada pelo desejo de fazer um tipo diferente de jornalismo, ela co-fundou a AzMina como uma revista on-line em 2015. Carolina considera que ter a coragem de co-fundar AzMina – e, quando a coragem faltava, nutrir-se da coragem de suas colegas co-fundadoras – foi a coisa mais difícil e mais bonita que já fez em sua vida. A partir de 2018, Carolina passou a se dedicar integralmente à Revista AzMina, trabalhando nas mais diversas frentes (jornalismo, gestão e captação de recursos) para profissionalizar suas operações. A partir daí, ela transformou a AzMina em uma organização totalmente estruturada e começou a escolher outros projetos e reportagens para investigar e/ou investir, começando com a luta pelo fim da violência contra a mulher.