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Monica Guerra

Instituto Comida do Amanhã
O Instituto Comida do Amanhã está transformando os sistemas alimentares a partir da qualificação do debate para a população e com infraestrutura para pensar e articular políticas públicas sobre o…
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This description of Monica Guerra's work was prepared when Monica Guerra was elected to the Ashoka Fellowship in 2024.

Introdução

O Instituto Comida do Amanhã está transformando os sistemas alimentares a partir da qualificação do debate para a população e com infraestrutura para pensar e articular políticas públicas sobre o tema.

A nova ideia

Cerca de 10% dos brasileiros sofreram insegurança alimentar grave de 2020 a 2022, levando o Brasil de volta ao Mapa da Fome, embora esse número venha diminuindo desde 2023. Esse cenário destaca um debate crucial para o desenvolvimento social do país, tradicionalmente dependente da administração federal. O sistema alimentar hegemônico, que não garante segurança alimentar a todos e é responsável por aproximadamente 70% das emissões de gases do efeito estufa, também contribui significativamente para a perda da biodiversidade global. Atualmente, se sabe que, desde 2017, cerca de 70% dos alimentos produzidos globalmente são consumidos em áreas urbanas e prevê-se que 68% da população mundial viverá nessas áreas até 2050, o que reposiciona as cidades no centro do debate alimentar. Apesar das dificuldades enfrentadas pelas políticas públicas e práticas de distribuição de alimentos para acompanhar essas mudanças, a rápida urbanização segue afetando todos os aspectos do sistema alimentar, desde a produção até o desperdício, com pouca coordenação entre entidades governamentais e organizações da sociedade civil na luta contra a fome.

O Instituto Comida do Amanhã (ICA), cofundado e coliderado por Mónica, trabalha em torno de sete princípios: 1) produção, sistematização e disseminação de conhecimento; 2) integração internacional; 3) promoção do diálogo e debates públicos; 4) advocacy baseado na experiência prática; 5) comunicação e disseminação acessíveis; 6) representação em espaços estratégicos nacionais e internacionais; 7) trabalho com redes de parceiros. Para colocar os sete princípios em prática, o Instituto Comida do Amanhã desenvolve duas estratégias principais: o Laboratório de Políticas Públicas Urbanas – o LUPPA, principal programa de qualificação da política pública alimentar urbana – e atividades de produção de inteligência e promoção do debate para o advocacy e fortalecimento de narrativa.

O Laboratório Urbano de Políticas Públicas (LUPPA), reconhecido como o maior laboratório de políticas alimentares do mundo, é uma plataforma colaborativa que transforma a gestão da segurança alimentar nos municípios brasileiros, através de uma abordagem educativa e prática envolvendo gestores públicos e representantes da sociedade civil. A iniciativa, que acolhe10 municípios a cada edição, (40% da região amazônica), promove capacitação e networking culminando em um laboratório social presencial, fomentando uma rede integrada de agentes atuando pelo direito humano à alimentação saudável e adequada nas cidades a partir de uma perspectiva sistêmica. O LUPPA visa dinamizar e integrar políticas municipais com estruturas federais existentes, sempre compartilhando boas práticas e conhecimento entre cidades participantes, mentoras e anteriores, para fortalecer os sistemas alimentares municipais. Destacado em importantes relatórios internacionais como o relatório State of Food Insecurity and Nutrition in the World (SOFI)1 de 2023, em que é mencionado como exemplo notável a ser seguido para atingir o ODS 2, sobre fome zero e agricultura sustentável, e o relatório do Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutricional (HLPE – FSN)23 como um exemplo importante do imperativo da governança multinível e multissetorial e da relevância das redes de cidades, que fornecem suporte aos municípios para promover a gestão dos sistemas alimentares. Graças às suas contribuições significativas, o LUPPA ganhou reconhecimento nacional e internacional, gerando uma lista de espera para futuras participações de cidades brasileiras.

O Instituto Comida do Amanhã (ICA) enfrenta o lobby do agronegócio e da indústria de alimentos no Brasil ao produzir materiais e promover eventos desafiando narrativas como as de que alimentos ultraprocessados não são prejudiciais, ou de que os desafios colocados nos sistemas alimentares se resolverão com soluções simples ou sem necessidade de articulação e integração. Encontros como Poliniza e Poliniza Buzz trabalham temas alimentares por meio de laboratórios de produção de livros e realização de eventos, já somando seis publicações. O ICA integra estratégias fomentando que cidades desenvolvam planos de segurança alimentar, de forma sistêmica, com abordagem integrada e com participação social. Contabilizando o impacto apenas nas cidades LUPPA, o trabalho do ICA já beneficiou uma rede que alcança 14 milhões de brasileiros. A abordagem do ICA é sistemática e replicável, impactando de forma duradoura a política pública e a conscientização sobre os desafios dos sistemas alimentares globais e seus impactos ao nível local. A visão de Mónica é fortalecer e expandir o impacto do instituto, com foco na agenda alimentar urbana, e fazer isso a partir de uma ampliação de parcerias e espaços de colaboração, ampliando o alcance e a resiliência das atividades do instituto.

O problema

Apesar de ser um grande produtor de alimentos, o Brasil tem disparidades significativas no acesso a uma dieta saudável. Dados recentes revelam desafios persistentes de fome e desnutrição no Brasil, especialmente entre grupos marginalizados, como populações rurais, povos indígenas e comunidades de baixa renda, como territórios urbanos periféricos. Um relatório da FAO de 2023 mostra que de 2020 a 2022, 21,1 milhões de brasileiros (9,9% da população) passaram fome e mais de 50% da população teve algum grau de insegurança alimentar. As áreas urbanas, onde 42,2% da população luta contra a fome, a influência do marketing de alimentos industrializados torna ainda mais difícil o acesso a alimentos naturais e saudáveis, que são quatro vezes mais caros do que as opções processadas na América do Sul. Além disso, a insegurança nutricional, causada pela falta de consumo regular de alimentos saudáveis, aumenta os casos de obesidade e de todas as formas de desnutrição a longo prazo, gerando um grande custo para a saúde pública e para a qualidade de vida dos mais vulnerabilizados. No Brasil, mais de 1/4 da população adulta é obesa devido a hábitos alimentares inadequados e ao acesso limitado a alimentos saudáveis. Esse dado demonstra a necessidade de planos intersetoriais e sistêmicos para resolver a insegurança alimentar e nutricional.



Desde 2002, o Brasil conta com incentivos para a criação de conselhos de segurança alimentar e nutricional. No entanto, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) foi estabelecido como um sistema de adesão voluntária para estados e municípios. Consequentemente, apenas cerca de 1% dos municípios brasileiros tinham seu Plano de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) em vigor, como aponta a pesquisa de 2018 do Ministério do Desenvolvimento Social, MapaSAN – que era aplicada com frequência até 2018, quando foi descontinuada pelo governo Bolsonaro. A pandemia da Covid-19, aliada à redução dos orçamentos federais para os principais programas estruturais de combate à fome, levou os municípios a assumirem cada vez mais a agenda da segurança alimentar e a criarem medidas para garantir a resiliência dos sistemas alimentares, com um crescimento notável no interesse em investir em programas como cozinhas comunitárias e restaurantes populares, bem como bancos de alimentos e até mesmo programas municipais de aquisição de alimentos.

O atual modelo de produção de alimentos tanto amplifica a crise climática quanto sofre as consequências dessas mudanças. Os gestores públicos muitas vezes não estão preparados ou não se percebem capazes de atuar em resposta a esses cenários de rápida mudança. Segundo a República.Org, instituto dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público brasileiro, há uma carência histórica de recursos e estruturas de governança que permitam que servidores públicos, nos mais diversos níveis e esferas, sejam devidamente reconhecidos, o que prejudica sua vontade de melhorar ou inovar dentro do setor público. Saber que há organizações com quem contar e reforçar seu papel como agentes de transformação social é essencial para manter a motivação e, portanto, a ação. As cidades devem ser apoiadas para estruturar sistemas alimentares saudáveis para as pessoas e o planeta, resilientes às vulnerabilidades climáticas e econômicas e que promovam justiça social.

A facilidade de uso de produtos industrializados, uma narrativa que tem sido efetivamente vendida por meio de marketing e publicidade por agronegócios e grandes empresas alimentícias, adiciona outra camada de complexidade ao problema dos sistemas alimentares. Esse discurso distancia os consumidores de alimentos naturais, sazonais, saudáveis e ambientalmente justos e coloca uma série de tabus e modismos em torno do sistema alimentar, o que nos distancia ainda mais do ato de cozinhar, comer comida de verdade, produzida em pequena escala e localmente, e nos aproxima das histórias contadas pela grande agroindústria de monocultura, os mercados globais de importação/exportação, da facilitação promovida por alimentos ultraprocessados. O custo da alimentação saudável é uma barreira de acesso para a maioria da população. Na América do Sul, a alimentação saudável custa aproximadamente 4 vezes mais do que o custo de comer produtos industrializados.

Ainda sobre a construção de narrativas, no Brasil um fenômeno problemático nos últimos anos tem sido a oposição do agronegócio às informações verdadeiras e importantes compartilhadas com a população sobre a produção de alimentos. Um exemplo disso é como a pesquisa do Netlab mostrou que a Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada ruralista no Congresso brasileiro, publicou anúncios nas redes sociais em 2023 com conteúdo desinformativo, descontextualizado, distorcido e/ou que minimizava os impactos negativos do setor, a fim de promover sua agenda política no legislativo. Entre os temas recorrentes estava a tentativa de criminalização de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pela tentativa de invasão de terras de fazendeiros, sem diferenciação entre pequenos produtores e proprietários de terras. Outro tema comum foi o negacionismo dos impactos ambientais do agronegócio, com foco na promoção de projetos de lei que flexibilizam a legislação ambiental, como a de agrotóxicos e projetos de infraestrutura.

Pensar novas narrativas está intrinsecamente ligado a mudanças políticas e à capacidade do ICA de impulsionar mudanças sistêmicas. A maior parte da produção mundial de alimentos é consumida nas cidades. No entanto, um dos maiores desafios enfrentados pelas áreas urbanas, particularmente as mais densamente povoadas, é estabelecer sistemas alimentares sustentáveis e garantir acesso a dietas saudáveis para todos os moradores. A maneira como as cidades abordam o consumo de alimentos tem o potencial de remodelar os sistemas alimentares, agindo a partir do local para impactos de escala global. Embora as soluções possam vir de fontes diversas, o papel crítico das respostas governamentais permanece inegável.

A estratégia

O Instituto Comida do Amanhã (ICA) atua em duas frentes: influencia políticas relacionadas à alimentação e molda a percepção pública por meio da produção de inteligência e curadoria de conteúdo. O Laboratório Urbano de Políticas Públicas (LUPPA) é o programa do ICA com o objetivo de reativar e fortalecer estruturas legais e constitucionais subutilizadas que garantem o direito à alimentação ao nivel local. Essas estruturas foram estabelecidas em 2002 pelo Plano Fome Zero, mas, entre 2017 e 2022, foram desmanteladas, descontinuadas, subfinanciadas ou deixadas de lado pelo Governo Federal, seu maior propulsor.

O LUPPA, e todo o trabalho do ICA em qualificar as políticas públicas alimentares, está protegendo o direito à alimentação da vulnerabilidade de políticas de governo, ao expandir o número de cidades brasileiras com políticas alimentares robustas e plurianuais, desenhadas a partir de uma abordagem intersetorial e com participação social, que promovam sistemas alimentares saudáveis, resilientes e socialmente justos. A iniciativa visa criar políticas democráticas e integradas que abordem os desafios alimentares urbanos, promovendo uma rede de cidades comprometidas que estão redesenhando sua arquitetura de tomada de decisão para implementar uma visão renovada de políticas de Segurança Alimentar e Nutrição. Tanto a partir do LUPPA, como no trabalho de vocalização da agenda em espaços de articulação nacional e internacional, o ICA tem apoiado as cidades a expandirem dados sobre sistemas alimentares locais e promoverem parcerias intersetoriais, comprometimento político e social e aprendizado mútuo para combater a fome e avançar a agenda nacional sobre alimentação e governo inclusivo. Além disso, ao fortalecer as conexões entre administradores públicos e a sociedade civil ao mesmo tempo em que constrói uma rede de apoio, o LUPPA está transformando a cultura da gestão pública e alinhando as políticas alimentares locais com a ação climática e com demais agendas estruturantes dos sistemas alimentares, o que contribui para diversos objetivos do desenvolvimento sustentável.

As atividades anuais do LUPPA seguem um processo estruturado: (1) selecionar cidades participantes, (2) conduzir entrevistas e avaliações diagnósticas, (3) sediar seminários preparatórios, (4) facilitar um laboratório colaborativo, (5) fornecer mentorias e oficinas de acompanhamento e, finalmente, (6) compartilhar os resultados com a sociedade.

O processo de seleção começa com chamadas abertas. Dez cidades com até 1,5 milhão de habitantes são escolhidas dentre as inscritas. Além disso, 40% das vagas são reservadas para cidades da Amazônia Legal. Os requisitos também incluem a assinatura de uma carta compromisso pelo prefeito e respostas a uma pesquisa rápida para entender a dedicação do governo local à agenda alimentar e seus tópicos de interesse em relação à alimentação. Os municípios escolhidos são representados por uma equipe composta por pelo menos dois gestores públicos de diferentes secretarias indicados pelo governo e por representantes convidados de organizações da sociedade civil que participam do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA 4, ou outro conselho relacionado à alimentação na ausência desse Conselho.

Até o momento, 43 cidades participaram do LUPPA ao longo das três chamadas para o laboratório. Elas estão espalhadas por 18 estados das cinco regiões, atingindo cerca de 14 milhões de habitantes no total, com base em números do Censo IBGE 2022. O LUPPA analisou as estruturas legais dos sistemas alimentares nas cidades participantes das duas primeiras chamadas e identificou a falta de mecanismos que abordem de forma sistemática as questões alimentares, como planos de ação ou estrutura legal de SAN. Entre as 33 cidades analisadas nas duas primeiras edições, 25 possuíam um Conselho de SAN ativo. No entanto, esses números são ainda menores quando se trata de outras estruturas de suporte: apenas 17 tinham uma CAISAN, 12 realizaram uma Conferência de SAN nos últimos quatro anos, 12 aderiram ao SISAN, 15 possuíam uma estrutura legal de SAN e apenas 7 tinham um Plano de SAN.

O laboratório presencial é o ápice de cada edição do LUPPA, onde representantes dos diferentes municípios e da sociedade civil se reúnem para mergulhar em ferramentas de mapeamento sistêmico, troca de experiências e visita de campo a projetos na cidade mentora que acolha o laboratório. Entre as ferramentas metodológicas oferecidas e praticadas no laboratório destacam-se a matriz de diagnóstico e o Projeto Âncora. Ambas as ferramentas são essenciais, porque ensinam gestores a desenvolver suas próprias soluções, em vez de simplesmente fornecê-las prontas.

A matriz de diagnóstico dos sistemas alimentares da cidade é usada para mapear as iniciativas tomadas por cada cidade na ampla área de sistemas alimentares todas as estruturas que poderiam ser colocadas em prática. Este é um bom exercício prático para explorar a importância da colaboração intersetorial para resolver problemas de segurança alimentar. Após a conclusão da matriz, as informações alimentam o mapa colaborativo do LUPPA, disponível no site público do programa, comunicando à sociedade as ações de cada município para superar a fome e criar sistemas alimentares resilientes. Ao longo de cada edição do laboratório, as cidades são convidadas a desenvolverem os seus Projetos Âncora, uma ferramenta que identifica pontos de intervenção que podem transformar o sistema alimentar local e contribuir com a elaboração de um plano de ação ou projeto a ser priorizado pela gestão pública no curto prazo para alavancar impactos no médio e longo prazo. Ao final, o objetivo é chegar a um Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional autônomo com uma visão sistêmica, que deve ser intersetorial e participativo. O Projeto Âncora se torna uma ferramenta que apoia com um passo a passo da criação de uma estratégia de trabalho, dando a gestores e técnicos autonomia para conceber os planos de SAN da sua cidade. O projeto âncora é desenvolvido durante a jornada de mentoria que as cidades participantes recebem das cidades mentoras do Lab.

É após o laboratório presencial, que começa a etapa de mentoria. Consiste em uma série de oficinas exclusivas realizadas para fortalecer a cooperação técnica entre as cidades mentoras e as cidades participantes da chamada, contribuindo com a troca de experiências na implementação de mudanças nos sistemas alimentares, e na elaboração do projeto âncora. Este é um momento intenso de compartilhamento, que beneficia tanto as cidades eleitas quanto as mentoras. Elas se reúnem virtualmente e trocam informações específicas e detalhadas sobre processos, estratégias de advocacy, formas de institucionalização e operacionalização de políticas, planejamento e ajustes orçamentários.

Ao final de cada ciclo, as informações sobre o desenvolvimento do grupo de cidades participantes são sistematizadas e amplamente compartilhadas com a sociedade em três formatos. O primeiro é o mapa LUPPA, que sistematiza as informações mapeadas pelas cidades nas fases de diagnóstico e matriz diagnóstica. O segundo formato envolve dois relatórios com informações detalhadas sobre os processos, temas, cidades e destaques da turma em curso: os Cadernos LUPPA, com atenção especial para as cidades amazônicas. Por fim, é realizado um webinar para compartilhar os resultados do ano – o LUPPA WEB.

Os conteúdos produzidos são fundamentais para o objetivo do ICA de disseminar informações. Mónica desenhou o instituto, definiu suas estratégias e vem trabalhando na expansão do ICA sempre junto com suas duas co-fundadoras, Juliana Tângari (que é também a coordenadora geral do LUPPA) e Francine Xavier, numa liderança compartilhada e horizontal. Desde o início do Instituto, elas têm implementado diversas iniciativas e projetos sempre com o objetivo de qualificar o debate público sobre sistemas alimentares. Um exemplo é o projeto Poliniza Buzz – um laboratório sobre histórias de comida, uma metodologia desenvolvida para o desenvolvimento colaborativo de livros sobre sistemas alimentares a partir de histórias reais, com o objetivo de apoiar construção do pensamento crítico sobre a complexidade dos sistemas alimentares e a necessidade de sua transformação a partir das crianças e suas comunidades, e que já publicou 5 livros infantis de acesso gratuito. O Instituto aposta muito na importância de facilitar debate intersetorial e na capacidade de avanço a partir de parcerias e de produção de inteligência coletiva. Nesse sentido, liderou a realização de diversos diálogos intersetoriais sobre sistemas alimentares (Food Systems Dialogues), no contexto da cúpula de sistemas alimentares da ONU (UNFSS) que ocorreu em 2021, e em demais oportunidades de pautar a agenda alimentar de forma intersetorial e sistêmica. O instituto tem também promovido espaços de troca e fortalecimento do ecossistema das organizações que trabalham em prol da transformação dos sistemas alimentares no Brasil - desde 2023 lidera o espaço “Café com o Comida”, que conta com a participação de dezenas de organizações do terceiro setor atuando na agenda alimentar no país.

O instituto também apoia na produção de conteúdo que paute o debate público e que advogue pela agenda política alimentar. Em 2019, o instituto idealizou, coordenou e publicou o livro “Isto não é apenas um livro de receitas – é um jeito de mudar o mundo”, premiado nacional e internacionalmente e desenvolvido com colaboração de mais de 30 coautores, que trazia várias chaves de leitura dos desafios dos sistemas alimentares brasileiros.

O instituto tem também se posicionado cada vez mais como uma instituição que vocaliza a agenda de sistemas alimentares globalmente e que traz ao Brasil conteúdos de relevância internacionais, que pautem o debate público, produzidos por organismos de referência internacional. Nesse sentido, em 2019 o Instituto coordenou a tradução e o lançamento no Brasil do relatório eat-lancet Dieta Planetária, e em 2020 co-liderou o lançamento do Marco da agenda alimentar urbana da FAO, no Brasil.

Ainda dentro da sua estratégia de qualificação do debate público, o ICA também produz materiais de disseminação gratuita de informação atualizada sobre sistemas alimentares. O “Café Coado” é um clipping semanal, produzido em parceria com o Instituto Fome Zero, com as últimas notícias no Brasil e no mundo sobre sistemas alimentares; o Instituto publica também um boletim mensal, que coleta e sintetiza os acontecimentos mais importantes do mês, e que alcança centenas de leitores desde 2020. Esses são recursos importantes que permitem o fortalecimento da conexão entre ação prática junto aos municípios e produção de conhecimento e reflexão a partir do trabalho realizado, ao mesmo tempo que permite uma permanente atualização de todos os programas do instituto a partir da permanente produção de conhecimento, uma característica do instituto que é fundacional do seu perfil de think-tank. . A base de seguidores de mídia social e assinantes do boletim do ICA chega a 14.000 indivíduos. O ICA está comprometido em criar uma comunicação acessível, cuidando da disseminação de conteúdo sempre referenciado, esteticamente agradável e criativo para atrair um amplo público.

O instituto também cultiva uma rede de parceiros e desempenha um papel significativo na representação da agenda nacional e internacional no campo da alimentação. São posições de representação em fóruns nacionais e internacionais sobre comida que ampliam sua capacidade de advocacy e sua articulação com outros parceiros e organizações. Especialmente, nesses fóruns, colocam os holofotes nas cidades que participam do LUPPA e na agenda alimentar urbana como um todo, garantindo às cidades visibilidade e reconhecimento nacional e internacional. Ao demonstrar resultados de experiências práticas dos municípios que participam do LUPPA, o ICA envolve outros atores em um chamado para ação.

O ICA aposta também na vocalização da agenda em espaços estratégicos nacional e internacionalmente. No debate sobre sistemas alimentares e clima o instituto tem reforçado a sua atuação, levando exemplos do Brasil, acompanhando e participando de forma ativa nas conferências das partes sobre o clima desde a COP 26, tendo se tornado em 2023 uma organização observadora do UNFCCC . Para além da agenda de comida e clima, o instituto tem estado também ativo nos debates sobre sistemas alimentares e suas estruturas, tanto no contexto do G20, como em outros espaços de articulação internacional - em 2024, Mónica representou o instituto num workshop regional (Sul Global) sobre recorte feminista dos sistemas alimentares, na África do Sul, que deu insumo para a participação do instituto no ultimo encontro do CFS com um paper dedicado ao tema a partir do contexto brasileiro. O instituto se tornou membro fundador da aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada pelo governo brasileiro em 2024, colocando sua capacidade técnica a serviço da transformação dos sistemas alimentares globais.

Na ampliação do trabalho ao nível nacional, no ano de 2024 o instituto iniciou um processo de cooperação com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo federal para a implementação da estratégia Alimenta Cidades, apoiando os governos municipais de 60 municípios a avançarem nas suas agendas alimentares. A cooperação permite que o instituto alcance municípios além dos participantes no LUPPA e é uma oportunidade de fortalecer a agenda do instituto e de reforçar a sua teoria de mudança, se posicionando de forma definitiva como referência na agenda alimentar urbana no Brasil e no mundo.

A pessoa

Mónica, filha única, nasceu e cresceu em Portugal, onde sua conexão com a comida começou cedo, influenciada pelo envolvimento de sua família no comércio local de alimentos. Desde criança, vivenciou a importância do comércio de proximidade através do trabalho de seu avô e seu pai em uma vendinha, e acompanhou a transição do abastecimento local para as grandes redes de supermercado, o que impactou diretamente a sua família.

Na adolescência, Mónica enfrentou distúrbios alimentares, o que acabou sendo o primeiro gatilho para que se tornasse uma ativista. A comida que naquele momento poderia ser sua cura, ou sua destruição, começa aos poucos a se tornar uma ferramenta de transformação. Engajada em coletivos de defesa dos direitos dos animais, ela construiu uma trajetória de ativismo que permeou sua vida pessoal e escolhas alimentares.

Graduada em arquitetura, Mónica não se identificou com a prática convencional e buscou o planejamento urbano, completando um mestrado na Dinamarca. Durante sua formação, estagiou no escritório da ONU Habitat no Rio de Janeiro, onde decidiu se aprofundar nas questões das cidades e desenvolvimento sustentável, reconhecendo o papel central dos sistemas alimentares em várias agendas socioambientais.

Com o desejo de explorar sistemas alimentares por diferentes perspectivas, Mónica idealizou em 2016 um seminário que inspirou a criação do Instituto Comida do Amanhã (ICA) - o encontro se chamou “o que vamos comer amanhã”, contou com dezenas de palestrantes e atividades e promoveu um abaixo assinado que focava na agenda alimentar do município do Rio de Janeiro, que contou com centenas de assinaturas. O evento aconteceu na véspera do dia mundial da alimentação daquele ano, 15 de Outubro de 2016, e essa é até hoje a data em que o instituto celebra o seu aniversário.

Em 2017, após deixar seu emprego, ela se dedicou a aprofundar o tema, organizando uma série de encontros sobre sistemas alimentares a partir de diversas entradas, realizando festivais como o Comida e o Feminino com foco na correlação entre feminismo e sistemas alimentares e pesquisando mais sobre o tema. Nesse ano ainda mergulha no tema da alimentação urbana num curso da universidade de Amsterdam (Urban Food Experience) e se torna finalista no processo seletivo da Red Bull Amaphiko. Decidida em empreender socialmente e percebendo que o Comida do Amanhã alcançaria o seu impacto enquanto organização da sociedade civil, convidou Juliana Tângari e Francine Xavier para fundar o ICA, reconhecendo a importância de um olhar multidisciplinar sobre o tema e a necessidade de um desenho e uma liderança compartilhada. Com o lema "o que comemos muda o mundo", desde 2018 as três cofundadoras lideram o instituto, construindo impacto social significativo com um modelo de governança horizontal, com tomadas de decisão compartilhada, e buscam criar uma cultura de gestão e de liderança que seja cuidadosa com as pessoas, baseada em transparência, com diversidade e confiança mútua.